quinta-feira, 30 de julho de 2009

Os reféns do medo - Ana Beatriz Silva


ÉPOCA - Muita gente, mesmo sem ter sido vítima diretamente da violência, tem medo. Quais são as conseqüências disso para a saúde?
Ana Beatriz Silva - A violência cresceu muito nos últimos cinco anos, trazendo uma situação de estresse prolongado. Nesse tempo surgiram muito mais casos de pânico, depressão, ataques cardíacos. No caso das agressões repentinas, como ataques a ônibus, mesmo quem é espectador passa por um estresse agudo, que faz uma descarga violenta de adrenalina no organismo num espaço de tempo muito curto. Causa irritabilidade, tensão, insônia, isolamento. A conseqüência imediata é só pensar no que aconteceu de violento. Se você está num engarrafamento, acha que vem um assalto coletivo.

ÉPOCA - Isso pode se transformar em um quadro mais grave?
Ana Beatriz - Pessoas já com a saúde física comprometida podem ter alterações cardíacas e a imunidade debilitada. E, quando um estresse agudo se soma a um quadro de estresse crônico, aquele copo que estava na metade transborda. O que difere é como as pessoas vão adoecer. Um sofre infarto, outro pânico. Os sintomas de estresse agudo tendem a se normalizar em três semanas. Se os sintomas se prolongarem além desse período, a pessoa apresenta um quadro mais significativo de apatia emocional, deixa de sair, não dorme, tem flashbacks da situação ruim. Esse quadro é igual ao de quem foi vítima direta da violência.

ÉPOCA - Alguém que mora em Porto Alegre, mas viu no noticiário os ônibus ? sendo queimados no Rio, pode desenvolver esse quadro traumático?
Ana Beatriz - Sim. Principalmente nas pessoas que, mesmo não passando por situação traumática, tendem a fazer o movimento do "se". E "se" fosse comigo? Elas sofrem só de imaginar. Reforçar os laços afetivos com pessoas queridas é um antídoto maravilhoso. Ter fé é fundamental. Ser generoso faz bem ao organismo

ÉPOCA - Em situações de risco, o cérebro dá comandos ao organismo para disparar substâncias que preparem o corpo para a luta ou a fuga. E no estado de ansiedade, o que acontece?
Ana Beatriz - O sistema de estresse e ansiedade é o mesmo do medo. A expectativa de viver algo ruim libera substâncias que deixam o corpo em alerta. Só que nessa situação o alerta é constante. Para o cérebro não existe real ou virtual. Se eu imagino uma angústia, como estar presa na mala de um carro, para meu cérebro isso está acontecendo. É por isso que tratamentos como relaxamento, meditação e hipnose funcionam.

ÉPOCA - Que problemas esse estado de ansiedade pode acarretar?
Ana Beatriz - Alterações do sono, irritabilidade, frieza emocional, sobressaltos, pesadelos com sensação de queda. A alimentação muda muito devido ao cortisol, outra substância liberada no organismo. O cortisol troca totalmente o metabolismo das gorduras. Por isso, há quem coma pouco, mas engorde. Geralmente são pessoas estressadas. E o cortisol tende a produzir mais gordura que se localiza na barriga. Outro problema é a bagunça no sistema imunológico. O cortisol aumenta, por exemplo, a chance de desenvolver doenças de pele, por ser extremamente tóxico.

ÉPOCA - O que fazer para amenizar esse estresse constante?
Ana Beatriz - É muito salutar se reunir com amigos e família para programas diversos. Reforçar os laços afetivos com pessoas queridas é um antídoto maravilhoso. Dá sensação de segurança saber que se tem com quem contar. Ter fé - não necessariamente religião - é fundamental. Ações de generosidade e solidariedade melhoram a imunidade, fazem bem ao organismo. Sexo com amor diminui o estresse. O mesmo ocorre com a atividade física regular e que dá prazer. É recomendável incluir exercícios de relaxamento que tragam paz física e mental e buscar terapias complementares, como florais, acupuntura e shiatsu. Outra providência é ter cuidados com a alimentação e evitar substâncias que possam agitar mais ou atingir o organismo de forma negativa, como a cafeína, o açúcar e o álcool. As precauções são necessárias, claro. É preciso evitar determinados locais e horários. Deve-se também tentar manter um nível de ansiedade baixo. E, finalmente, saber que as coisas acontecem, admitir a falta de controle total sobre a vida. FÁBULA Histórias como a de Chapeuzinho Vermelho ajudam as crianças a lidar com o medo

ÉPOCA - A senhora teve aumento no número de pacientes com medo de sofrer violência?
Ana Beatriz - Isso é muito comum. A semana do PCC foi interessante em meu consultório em São Paulo. Esconder-se foi a primeira reação de todo mundo. É um sintoma do estresse agudo. Depois de um mês, o que começou a estourar de pessoas com estresse pós-traumático, depressão, fobias exacerbadas... Houve aumento de 20% nos pacientes com esse perfil. As crianças que vieram ao consultório me chamaram a atenção. Foram oito pacientes, na faixa dos 6 aos 10 anos, com pânico, que não queriam mais ir à escola. Um ano antes, isso não existia. As crianças não tinham essa consciência. Foi tão violento e noticiado que não teve criança que não soubesse.

ÉPOCA - Os pais devem falar de situações de violência na frente de crianças?
Ana Beatriz - Não dá para não falar. As crianças têm acesso à internet. Mas deve haver cuidado na conversa. Não pode ser uma fala desesperada. Tem de contar os fatos reais, dando o aprendizado para poder se prevenir, mas sem criar clima de desespero. Criança gosta de fábula. Chapeuzinho Vermelho já ensinava que não se deve falar com estranhos. E hoje falta esse lado lúdico. O hábito de contar a historinha é um caminho. Nem que seja necessário modernizar nossas fábulas para a criança exercer esse ensinamento.

ÉPOCA - E como se deve agir com os adolescentes?
Ana Beatriz - É complicado. O adolescente tem certeza de que com ele jamais acontecerá nada. Anormal é ele ter bom senso. Os pais têm de tentar conversar - e rezar muito.

ÉPOCA - As pessoas que mudam de hábitos para se proteger da violência têm alguma conseqüência negativa?
Ana Beatriz - O isolamento pode levar à depressão, ao pânico e à sensação de inutilidade. As pessoas podem ficar amedrontadas, frustradas, sentir-se incapazes de reagir e passar a alimentar uma indiferença emocional em relação ao outro, o que é muito grave. Isso cria uma sociedade de indiferença.

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